Jorge Marín: “Os homens devemos começar a dizer que não ao protagonismo e recuperar a ética dos cuidados”

Jorge Marín, nunha presentación do libro © L. Soto

O sociólogo e professor na Universidade de Santiago Jorge García Marín vem de apresentar o seu livro ‘Novas masculinidades. O feminismo a (de)construir o homem’ (Através Editora)

O sociólogo e professor na Universidade de Santiago Jorge García Marín vem de apresentar o seu livro ‘Novas masculinidades. O feminismo a (de)construir o homem’, que é parte da coleção Alicerces de Através Editora. “A discordância entre o proclamado e o realmente feito é muito caraterística do discurso político contemporâneo. O meu temor é que as novas masculinidades virem máscaras ideológicas que não trascendam além duma simples performatividade, dum ‘rebelar-se vende”, diz, entre moitas outras interessantes reflexões. O autor respondeu as nossas perguntas pelo correio eletrónico.

O livro surge de uma proposta da Teresa Moure. Como foi a experiência de escreve-lo?

Foi uma experiência quasi psicoanalítica -o qual lhe agradeço infinitamente a Teresa Moure- para mergulhar no interior da minha subjetividade e também para sair da minha zona de confort.

Começa com o debate sexo (biológico/fisiológico) e género (social/cultural). O essencialismo biologicista tenta justificar a suposta inferioridade das mulheres apelando à “natureza humana”. Que exemplos poderiamos pôr de pervivência desse discurso hoje?

Abundam os exemplos, mas no campo do desporto de elite extrema-se esta dualidade: a competência e protagonismo dos homens (Formula 1, motos, ciclismo, futebol....) e o papel decorativo que se lhe concede às mulheres (que beijam e parabenizam os heróis masculinos). Com a mesma lógica: por quê compete o homem blanco nas provas de 100 metros lisos se sempre ganham homens pretos? Aquí não existe o princípio biológico de exclusão.

O papel de género prescreve, através da socialização, “como deve comportar-se um homem e umha mulher na sociedade, definindo a feminidade e a masculinidade”. Quais são hoje os principáis agentes de socialização ao respeito? Que mudanças houve nisso?

“Mudam os agentes de socialização, mas predomina a lógica da dominação através do império das redes sociais…”

Mudam os agentes de socialização, mas predomina a lógica da dominação através do império das redes sociais.... é o trânsito das sociedades punitivas a sociedades de controlo. A dominação masculina tem mas possibilidades de acção que antigamente onde o indivíduo podia estar em soidade

Que é a masculinidade “clássica ou hegemónica”? Em que se distinguem dela as chamadas “novas masculinidades”?

É uma forma de exercer a masculinidade mediante a exclusão do outro (mulher, gay, criança) e que se carateriza pelo desempenho da força, do protagonismo, da agressividade, da competitividade. As novas masculinidades pretendem romper essa lógica e desenvolver as suas subjetividades através de paradigmas mas comunicativos, tornando-se o campo da afetividade.

Em que sentido a “cultura da violação” é a “representação” dessa “lógica do poder patriarcal”? Como achas que esta cultura pode operar no que o feminismo está a denominar “justiça patriarcal”? (Penso, por exemplo, no código penal espanhol e na sua não consideração do “abuso sexual” como violação).

“Obviamente a cultura da violação é o exemplo mais claro das masculinidades hegemónicas”

Obviamente a cultura da violação é o exemplo mais claro das masculinidades hegemónicas, já que é uma fotografia paradigmática do controlo exercido sobre as mulheres através da intimidação e o medo.... A diferença de outras épocas a mulher não é um sujeito civilmente morto, pelo que choca muito que estas acções masculinas que impedem a liberdade das mulheres continuem a acontecer, e que de poderes masculinos se amparem, justifiquem ou se lhes tire importancia. Dá muito nojo.

Jorge Marín, sociólogo Dominio Público Cedida

Também há “manifestações de masculinidade hegemónica mais camufladas”, coma no fenómeno do exercício da paternidade reduzida às “tarefas menos monótonas e mais divertidas do coidado”. Ou a tarefas menores, poderiamos dizer, como “eu já vou leva-los à escola”. Qual achas que é a situação hoje a respeito disso? (As estatísticas não permetem falar de uma verdadeira “corresponsabilidade”).

“É certo que os homens fazemos muito menos no campo do doméstico”

É certo que os homens fazemos muito menos no campo do doméstico. Geralmente os homens não se comprometem no fundo destas tarefas porque ainda no mais fundo das nossas psiques masculinas percebe-se que essas são tarefas de mulheres, e eu como homem “generoso” posso ceder algo para ir fazendo algumas pequenas coisas que inclusive demonstrem que não são machista, mas isso sim, não tudo, porque então renúncio à minha identidade sócio-histórica construida através de muitas gerações de dominação masculina.

Quanto aos homens machistas que negam selo, quais são os tipos que achas mais relevantes? Poderia-se falar de um tipo especial de “os machistas são os outros” identificável com homens de ideologia de esquerda?

Podem ser homens militantes de movimentos de esquerdas, progres, e inclusive alguns que se consideram feministas.... que não podem reconhecer o seu machismo, já que implicaria carregar-se a sua ideologia igualitária; e também podem ser homens de movimentos conservadores que consideram que são igualitários e não vêem machismo em nenhuma acção machista, algo assim como negar as evidências.

Em que consistem as “masculinidades deslocadas” e por quê se produzem?

São as masculinidades que não se identificam com as masculinidades hegemónicas a nível teórico mas que a nível prático reproduzem estas masculinidades.

“O amor romântico baseia-se em mitos que conduzem o controlo, a omnipotência do amor e a anulação do indivíduo para ser dois”

Qual é a correlação entre o mito do amor romântico e a violência de género?

O amor romântico baseia-se em mitos que conduzem o controlo, a omnipotência do amor e a anulação do indivíduo para ser dois.

Um estudo da USC verificou a importância das redes sociais como agente de reprodução das identidades de género. Em que sentido?

Nos usos das mesmas: tipologias, tempos, perfis, usos práticos que que se lhe dá, perigos que se observam nas mesmas.

As novas masculinidades “incorporam elementos novos nas suas relações, mas não quebram totalmente as estruturas de desigualdade numa feroz oposição. Mimetizam-se, adotam novas versões que em muitos casos apenas implicam uma mudança cosmética e não uma implicação ativa contra a violência para as mulheres ou uma renúncia aos espaços de poder”. Por que dizes isto?

É uma crítica a verdadeiros movimentos mítico poéticos que apenas buscam o encontro de homens, preocupados pelos homens, a falar de homens e a pensar sobre homens...... Não entram a trabalhar contra o núcleo duro patriarcal.

Que relação pode haver entre o que chamas “fundamentalismo masculino” e a extrema direita espanhola? (Penso nas proclamas do Casado sobre a “ideologia de género”, por exemplo)

“Chamar ideologia de género ao feminismo merece uma análise para a que não chega esta entrevista, dá para uma tese doutoral”

Sem dúvida há uma relação por conservar o clássico da sociedade, o establisment, o de “toda a vida”, os valores de sempre..... Chamar ideologia de género ao feminismo merece uma análise para a que não chega esta entrevista, dá para uma tese doutoral.

Tras analizar o papel de AHIGE e outras associações, dizes que o teu temor é que “as novas masculinidades virem máscaras ideológicas que não trascendam além duma simples performatividade, dum “rebelar-se vende”. Duma “estetização” do politicamente correto em tempos de feminismo, uma “ilusão”. Por que dizes isto? Que deberam fazer este tipo de coletivos para que não seja assim?

Preocupa-me que desde estes movimentos, que são muito minoritários, encontremos a justificação do “fim da história feminista”, algo assim como já está todo conseguido, os homens vamos liderar os movimentos feministas.

Por quê distingues entre “homens involucrados duma maneira decidida na transformação política e outros de desempenho mais ou menos terapêutico”?

É uma análise na qual coincido com outros autores, e que se demonstra ao analizar os grupos de homens igualitários. Existem essas duas vias de ação e a primeira é a que mais interessa trabalhar.

O principal e mais difícil, dizes, “é renunciarmos aos privilégios do poder patriarcal (amo do espaço público) com tudo o que isso implica”. De que jeito poderia fazer-se isto?

Os homens devemos começar a dizer que não ao protagonismo (Rebecca Solnit... ‘Os homens me explicam coisas’), devemos recuperar a ética dos cuidados e por exemplo não mudar uma paternidade responsável por um cargo académico.

Que papel jogam os feminismos nesta construção de novas masculinidades?

Fundamental. Sem a tercera onda do feminismo não estaríamos aqui a pensar isto. Levamos uns 200 anos de atraso.

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