Análise Presidenciais 2021

Marcelo Rebelo de Sousa CC-BY-SA Web Summit

O candidato mor ganhou por larga vantagem, sem necessidade de decidir o escrutínio numa segunda volta. Ganharia mesmo sem o apoio do PSD e do CDS. Não houve quem previsse um outro resultado que não este. António Costa também o previu e estrategicamente não apresentou nenhum candidato do PS à presidência da República.

Costa leu bem o cenário e percebeu que não havia candidato à altura de Marcelo. Evitou uma derrota e talvez tenha ganho alguma simpatia de Marcelo para os próximos 5 anos

Costa leu bem o cenário e percebeu que não havia candidato à altura de Marcelo. Evitou uma derrota e talvez tenha ganho alguma simpatia de Marcelo para os próximos 5 anos. A candidatura de Ana Gomes acabou por baralhar um pouco o raciocínio de Costa, mas este acabou por manter o apoio indireto ao atual presidente, proferido antes publicamente.

Ana Gomes viu-se numa posição ingrata. Militante ativa do PS, a jogada de Costa acabou por traí-la e viu-se numa situação ingrata. Ainda assim foi à luta e, apesar de não ter conseguido levar a decisão a uma segunda volta, ficando aquém do objetivo a que se propôs, conseguiu ficar à frente do populista e oportunista Ventura. Passou a ser a mulher mais votada nas presidenciais.

Ventura era o candidato de quem se falava. Pelo bem e pelo mal. As suas posições extremistas e declarações polémicas deram-lhe o tempo de antena que ele queria, muito mais do que aos restantes candidatos. “Falem bem ou mal, o que interessa é ser falado”: Ventura levou esta máxima à letra e beneficiou duma exposição mediática que lhe trouxe resultados. Muita gente votou nele como voto de protesto. Gente que não se revê em preconceitos contra minorias, gente que não se revê no fim do SNS, gente que só está um bocadinho farta de promessas constantemente adiadas. Logrou reunir votos dos mais variados campos sociais e económicos, mas ficou aquém do objetivo a que se propôs. Falhou o terceiro lugar - por pouco, é certo, mas falhou - e os 15% ficaram longe.

“Falem bem ou mal, o que interessa é ser falado”: Ventura levou esta máxima à letra e beneficiou duma exposição mediática que lhe trouxe resultados

João Ferreira é o reflexo da queda livre do PCP, um partido que se fechou em si mesmo em torno de ideais legítimos mas carregado de ideologia obsoleta. Não soube reinventar-se e isso tem tido reflexo nos últimos resultados eleitorais. Ainda assim, evitou ser o candidato do PCP menos votado de sempre, título que se mantém na posse de Edgar Silva, candidato comunista às anteriores presidenciais. Não obstante, conseguiu ficar à frente da candidata bloquista, numa inversão de papéis que já há tempo que não se via.

Marisa Matias foi uma das grandes derrotadas da noite, ficando bem longe dos mais de 10% obtidos nas últimas eleições. Não conseguiu nenhum dos objetivos que passaram pela mente do núcleo duro do BE. Nem se quer bater o PCP. Já sabemos que há cordialidade entre os dois, mais do que rivalidade, mas não deixa de ser uma inversão na tendência dos resultados dos últimos anos. O BE deveria ter apoiado Ana Gomes e evitado este resultado a roçar o humilhante, que teórica e psicologicamente acaba por dar ânimo a outras forças que se levantam.

Tiago Mayan não conseguiu surfar a onda liberal, porque esta não existiu, por muito que tivesse dito o contrário no seu discurso pós-eleições. Evitou ficar em último lugar, mas não muito longe do candidato Tino de Rans, o que não deixa de ser esclarecedor.

Com todo o respeito pelo Tino de Rans, obviamente. O seu ato é de valentia e bravura. Representa o povo mais do que qualquer outro porque faz parte do povo. Não ficou muito longe do resultado da eleição anterior e não ganhou, mas também não perdeu. Um candidato humilde como este não perde.

Por fim, o CDS, que decidiu não apresentar candidato, apoiando Marcelo. Foi o melhor que se conseguiu e, provavelmente, o melhor que fizeram, mas daí a reclamar o seu quinhão de vitória nas eleições vai uma distância muito grande. O CDS não só não ganhou como só não perdeu porque não se atreveu a apresentar candidato.

E que leitura fazer destes resultados? Começando pelo óbvio, não houve candidato à altura de Marcelo e isso refletiu-se não só nos resultados mas também na estratégia do PS, na voz do primeiro-ministro António Costa. Ao não apresentar candidato contra Marcelo, o PS afirmou estar contente com o atual presidente dos últimos cinco anos e espera o reconhecimento deste para os próximos cinco.

Não há uma vitória da direita, nem uma derrota da esquerda. A figura de Marcelo é tão consensual que reuniu votos de ambas as facções

Não há uma vitória da direita, nem uma derrota da esquerda. A figura de Marcelo é tão consensual que reuniu votos de ambas as facções. Muitos socialistas votaram em Marcelo e não em Ana Gomes. Aliás, esta divisão entre esquerda e direita, esta troca de galhardetes desrespeitosa, com troca de acusações de parte a parte, com líderes a ver vitórias onde só existiram derrotas, não beneficia em nada a opinião que o povo tem da classe política e faz com que o descontentamento seja maior.

Esse descontentamento, diz-nos a História, tende a levar a posicionamentos extremos, que são bem do agrado de populistas que o aproveitam em benefício próprio. Ventura sabe ler isso e dirige-lhes o discurso, dando a entender que dá voz a quem não a tem. O candidato da extrema direita conseguiu reunir também ele o seu consenso entre muitos dos que desacreditam cada vez mais no sistema e classe políticos, sejam os que estão fartos de corrupção, os que estão fartos de que se apoiem os imigrantes, os que estão fartos dos que vivem do Rendimento Social de Inserção, ou dos que estão fartos de tudo só porque estão fartos. 

Com uma esquerda fraca e um PS sem candidato, Ventura tirou partido e quis dar voz a esse descontentamento, conseguindo perto de meio milhão de votos. Curiosamente foi longe das grandes cidades que esse descontentamento se expressou mais. O país esquecido falou e mostrou a sua revolta votando em alguém que promete coisas, da mesma maneira que todos os políticos prometem coisas. Talvez seja hora de os responsáveis políticos que alternam o poder lerem isto com olhos de ler e perceberem que não podem estar a fazer política para uma cidade, a capital, e depois lembrarem-se do restante país apenas na hora de mendigar votos, enquanto no intermeio das eleições se fecham centros de saúde, correios, repartições bancárias e se extinguem juntas de freguesia, entre tantas outras instituições que contribuem para o bem estar das gentes que ainda vivem no interior. 

É imperativo pensar fora da bolha em que a corte vive e pensar fora do gabinete, entendendo a realidade do rural e das vilas e cidades de pequena e média dimensão. Tendo um país equilibrado, todo o país beneficia

É preciso criar condições para essas pessoas. É imperativo pensar fora da bolha em que a corte vive e pensar fora do gabinete, entendendo a realidade do rural e das vilas e cidades de pequena e média dimensão. Tendo um país equilibrado, todo o país beneficia. 


PS- Em jeito de opinião pessoal, talvez seja tempo de se levar avante a regionalização e encurtar as assimetrias que prejudicam o país, em benefício duma capital sedenta de poder e subjugação. Está prevista na constituição e ainda não foi levada avante porque sabemos bem que o sistema em vigor beneficia das coisas como estão. Não é preciso referendo nenhum; basta fazer cumprir a constituição. Basta os governantes alterneiros romperem eles próprios com o sistema, antes que alguém antissistema o faça.

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