Honoráveis parasitos do comum

Dominio Público

A gente desconfia, e com razom, do suposto comportamento virtuoso das grandes companhias. O hipotético respeito às leis tributárias e às da livre competência e o potencial recurso a contas secretas situadas em paraísos fiscais para ocultar ganâncias injustificadas alimentam a justificada desconfiança. Virtude cívica e dinheiro raramente caminham juntos.

 A crédula rã somos aqui a legiom de contribuintes e consumidores encomendados ao manto protector da Comisom Nacional dos Mercados e a Competência (2013) como barreira aos impulsos naturais do escorpiom

É raro que os membros dum mesmo ofício se reúnam sem que a conversa termine numha conspiraçom contra o público ou nalgumha manha para elevar os preços, mesmo quando a reuniom é para relaxamento e solaz. O afiado juízo nom procede, como é sabido, de qualquer assanhado inimigo das patronais empresariais senom do pai da ciência económica. O comentário procede de Adam Amith, na sua obra fundacional A riqueza das naçons (1776)1. O juízo do pais fundador, dito seja de passagem, é quase um lugar comum. Longe das idealizaçons habituais do modelo económico dos mercados competitivos, o tráfego mercantil é suspeito de todo tipo de apanhos e componendas destinadas a maximizar as vantagens próprias a custa das alheias. Há mecanismos de supervisom, certamente, mas pecam de insuficiência crónica e habitualmente de extemporáneas e de minguada capacidade exemplarizante.

Nada novo pois na cobiça acumulativa que parece inscrita no ADN da grande empresa, a fraude da pequena é muito mais inócua. Acode à memória aquela fábula da rã que vai cruzando o rio com um escorpiom ao lombo até que este acaba por espetar-lhe o aguilhom pese à comprometida situaçom de ambos porque “estava na sua natureza”. A crédula rã somos aqui a legiom de contribuintes e consumidores encomendados ao manto protector da Comisom Nacional dos Mercados e a Competência (2013) como barreira aos impulsos naturais do escorpiom.

Sede da CNMC CC-BY-SA Luis García

De quando em vez dam-se a conhecer resoluçons sancionadoras da CNMC por abuso de posiçom dominante perpetrado por honoráveis corporaçons oligárquicas em prejuízo da Fazenda Pública e da cidadania inerme

De quando em vez dam-se a conhecer resoluçons sancionadoras da CNMC por abuso de posiçom dominante perpetrado por honoráveis corporaçons oligárquicas em prejuízo da Fazenda Pública e da cidadania inerme. A banca, as empresas energéticas, as grandes construtoras, som objecto habitual do celo inspector da CNMC por vulneraçom das leis da competência, replicado de imediato polos seus potentes gabinetes de comunicaçom e assessoria jurídica para preservar o frágil activo reputacional ante a opiniom pública.

No passado mês de Julho fazia público a CNMC um duro ditame sancionador remetido a um selecto grupo de empresas construtoras por infracçom grave das leis da competência e da normativa comunitária. O sexteto de empresas sancionadas —Acciona, Dragados, FCC, Ferrovial, Obrascón Huarte e Sacyr— configura o selecto núcleo do clube oligárquico das grandes construtoras, aditas aos corredores do poder e aos círculos do negócio internacional, infestados de agentes intermediários e políticos em exercício. O texto da resoluçom2 é demolidor; nele se certifica que o grupo vinha mantendo reunions semanais nas oficinas centrais dos associados seguindo umha ordem alfabética com objecto de partilhar informaçom estratégica e concertar a apresentaçom de propostas a concursos públicos em benefício conjunto.

O sexteto de empresas sancionadas —Acciona, Dragados, FCC, Ferrovial, Obrascón Huarte e Sacyr— configura o selecto núcleo do clube oligárquico das grandes construtoras, aditas aos corredores do poder e aos círculos do negócio internacional, infestados de agentes intermediários e políticos em exercício

Desde 1992, aponta o expediente, as companhias confabuladas reuniam-se cada semana para decidir os contratos públicos aos que convinha concorrer e o formato técnico das ofertas, quer dizer, o desenho da estratégia comum de concorrência aos concursos públicos e o reparto pactuado do negócio entre os coligados. As prioridades, sublinha a acta da CNMC, centravam-se nas infra-estruturas de interesse público essencial como hospitais, portos e aeroportos, estadas, etc. As concessons em regime de asociaçom público privada, APP, era a fórmula habitualmente adoptada.

O texto da resoluçom constitui um pormenorizado razoamento jurídico com referência às normativas espanhola e europeia acompanhado de ampla documentaçom que nos permite conhecer, por exemplo, o volume do negócio agregado do grupo implicado, 138.794 M€, e a quota de mercado dos sócios em licitaçons superiores aos 10 M€ —oscilante entre o 40% e o 55%, e mesmo— assi como a facturaçom particular durante o exercício de 2021 que se movia entre os 2.429 M€ atribuídos a Sacyr e os 594 M€ de OHL. As sançons impostas aos coligados nom superárom o 5,8% do volume de negócios de cada sancionada, taxa que nom parece desmesurada vista a persistência temporal das práticas sancionadas.

Obras públicas © Goberno de España

As sançons impostas aos coligados nom superárom o 5,8% do volume de negócios de cada sancionada, taxa que nom parece desmesurada vista a persistência temporal das práticas sancionadas

O montante das multas é proporcionada ao comportamento sancionado —“25 anos de abuso impune—: 203,6 M€ em total repartidos entre Dragados (57,1 milhons), FCC Construcción (40,4), Ferrovial (38,5), Acciona (29,4), Obrascón Huarte (21,5) e Sacyr (16,7). Um castigo pretendidamente exemplar, mas provavelmente leve para as corporaçons sancionadas como mero apontamento contável objecto da correspondente provisom na conta de resultados. Propósito de emenda nom se espera, afinal som ossos do ofício que diria um português.

A SEOPAN, patronal que agrupa as empresas de construçom e obras públicas, recorreu de imediato à sentença como era de esperar embora esta limitasse o eventual recurso à via contencioso administrativa.

A resposta da patronal à Resoluçom abunda em consideraçons exculpatórias e protestas sobre os supostos efeitos benéficos da mutualizaçom de recursos em benefício do barateamento das ofertas e da sua qualidade que a Administraçom deveria reconhecer. Comovedor ponto de vista que pretende ignorar a estrita lógica competitiva que deve presidir a concorrência equitativa. O menosprezo do público em benefício do privado é um comportamento incompatível com os fundamentos do Estado social e democrático de Direito que consagra umha sociedade sem privilégios.

O menosprezo do público em benefício do privado é um comportamento incompatível com os fundamentos do Estado social e democrático de Direito que consagra umha sociedade sem privilégios

Nas actuais circunstáncias em que as incessantes vagas de crise que afligem este século vesten indumentária inflacionária e a imparável alça de preços incendiam o mal-estar social contra as práticas especulativas nom podemos por menos de sorrir ante a suposta harmonia que preside as cadeia de valor que desemboca nas bancadas do supermercado e as agências imobiliárias nem abandonar-nos a um sentimento de indulgência ante o modestíssimo operário de avarias e pequenos arranjos domésticos quando nos pergunta, com IVA ou sem IVA?

 

Notas

1 People of the same trade seldom meet together, even for merriment and diversion, but the conversation ends in a conspiracy against the public, or in some contrivance to raise prices (....) Wealth of Nations (1776) Livro. 1, capítulo 10, parte 2 parágrafo 27. Contamos com uma excelente versom ao galego da autoria de Manuel Fernández Grela, editada pola USC em 2019 em Clássicos do Pensamento Universal, 33. O parágrafo citado pode ler-se na página 183.

2 Resoluçom Obra Civil 2 S/0021/20: https://www.cnmc.es/sites/default/files/4204380.pdf

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