Novas perspetivas para a esquerda na Galiza

Paso de peóns na Coruña CC-BY-SA Elena Cabrera

No seu tempo, no já aparentemente muito distante ano 2011, o 15M, também chamado movimento dos indignados, pretendia servir de estímulo social para a consecução de uma democracia mais horizontal e participativa, para acabar com a corrupção inerente ao sistema político espanhol e para que se limitassem os anos de representação e os privilégios dos políticos nas instituições. Além disso, desejava formular uma crítica frontal dos comportamentos dos partidos tradicionais do âmbito da esquerda, elaborar uma nova lei eleitoral e uma política económica e fiscal que não estivesse só ao serviço das oligarquias financeira e empresarial, tal como sucedeu infelizmente após a crise económica de 2008. Mesmo o movimento social das assembleias nas praças manifestava-se, para fazer possível todo o anterior, se for necessário, a favor de processos constituintes que levassem a uma ruptura do deficiente marco político e constitucional espanhol.

Seria bom que na Galiza, principalmente no campo da esquerda, se concluísse com a reflexão coletiva sensata de que só cabem organizações políticas de obediência e soberania galegas, ainda que abertas à colaboração com outras do âmbito das nações e mesmo do estatal

Nove anos depois, todos aqueles desejos, aquele programa certamente utópico, nos dois sentidos do termo, ficou pendente. Não se pôde ver realizado nem sequer num mínimo grau em qualquer das suas oportunas propostas. Dissolvido o movimento, só seria praticável levá-las a cabo se uma ou algumas organizações políticas, como assim naquela altura anunciaram, realmente quisessem e pudessem.

O partido Podemos e as Mareas, nas suas variadas denominações, as organizações políticas que se atribuíram a representação, sem terem estado os seus principais dirigentes no movimento dos indignados, tudo há que dizê-lo, atuaram depois nas instituições de jeito muito acomodatício e com um desempenho mais próprio da esquerda partidista institucional espanhola do que de um pretenso e cacarejado rupturismo renovador. E não mencionemos as constantes brigas internas dos seus membros por entrarem nas candidaturas e alcançarem postos institucionais ou, muitas vezes, a deficiente gestão que houve nos concelhos. 

Pessoas novas e sem muita experiência política, além de dirigentes da sempre minoritária EU, antigos filiados ao PSOE, agora muito críticos com ele, e escindidos do BNG constituíram a base dirigente dessas novas organizações. Em determinados momentos daquele período assemelhava-se tudo mais a uma simples busca rápida de uma ocasião para a colocação por parte de políticos anteriormente marginalizados pelo PSOE e o BNG, e também de pessoas mais novas e sem passado partidista numa situação de desemprego ou com trabalhos precários, que da criação de algo certamente distinto ao que já havia. Some-se ao precedente o esmagamento brutal dos meios de comunicação, com invenções e fake news, mais que com críticas sustentáveis, muito interessados eles, como as oligarquias económicas que os mantêm, em acabarem definitivamente com esse setor político, para que se chegasse a uma situação como a presente.

A descida e decepção eleitorais, que foram maiores do esperado, não se podiam evitar. A esquerda espanhola, amontoando em todo o Estado espanhol desastres políticos e fugidas incessantes de dirigentes desde o tempo da transição, semelha que na Galiza vai demorarar anos em levantar a cabeça. E o sistema bipartidário espanhol, com o que havia, com o que depois apareceu e em poucos anos desapareceu, apresenta-se com o passar do tempo mais solidamente assentado. Mais tarde da defeita, consumada na sua última fase nas autonómicas galegas e bascas, voltamos, portanto, ao esquema tradicional dos partidos de esquerda, que foram recuperando a sua força e a um eleitorado, cada vez mais desiludido, resignado e com menores sonhos e exigências políticas.

Dada a conjuntura à que se chegou, seria bom que na Galiza, principalmente no campo da esquerda, se concluísse com a reflexão coletiva sensata de que só cabem organizações políticas de obediência e soberania galegas, ainda que abertas à colaboração com outras do âmbito das nações e mesmo do estatal. Do jeito que se encontra o contexto político espanhol situado à esquerda do PSOE não se vê que desde ele se possa contribuir muito ao desenvolvimento organizativo, a uns bons resultados eleitorais e às políticas progressistas e nacionais para a Galiza. 

O BNG, que teve um indiscutível êxito eleitoral, poderia tentar incorporar a todo esse setor social dentro dele para ser uma organização política de massas forte, geracionalmente estável e com possibilidades de chegar ao governo autonómico e a todas as instituições

No entanto, por outra parte, o nacionalismo galego teria de ser mais nacional galego e menos nacionalista, em suma, mais transversal, plural e próximo às identidades diversas atuantes na sociedade galega contemporânea, para poder recolher melhor no seu seio os setores progressistas galegos e a parte do abstencionismo. A aceitação intelectual e política de que tudo poderia ser soberanismo nacional galego e de que, depois de sê-lo e exercê-lo coerentemente na teoria e na praxe democráticas, em bem da unidade e da acumulação de força, pode num momento dado futuro, que ainda não chegou, expressar-se, segundo convenha nessa circunstância, de forma independentista, confederalista ou federalista, como neste último caso foi o galeguismo republicano. Assumir como democratas o âmbito da soberania/democracia galega e desde ela nunca renunciar ao diálogo e à relação com as organizações do resto do Estado e do mundo seria um passo indispensável. E que melhor para isso que estando numa organização ou em organizações políticas não dependentes de Madrid e soberanamente galegas?

Uma das muitas possibilidades seria transformando-se em algo verdadeiramente aberto, transversal e com primárias garantidas para toda a filiação, nas que qualquer grupo de membros pudesse apresentar e defender a sua candidatura

O BNG, que teve um indiscutível êxito eleitoral, poderia tentar incorporar a todo esse setor social dentro dele para ser uma organização política de massas forte, geracionalmente estável e com possibilidades de chegar ao governo autonómico e a todas as instituições. Este mesmo processo político foi feito, por exemplo, por Bildu em Euskadi e agora também o ensaia Adelante Andalucía

Se calhar alguém se pergunte como se poderia reger uma organização com sensibilidades tão plurais para estar unida e ser sólida? Uma das muitas possibilidades seria transformando-se em algo verdadeiramente aberto, transversal e com primárias garantidas para toda a filiação, nas que qualquer grupo de membros pudesse apresentar e defender a sua candidatura. E, com certeza, como do mesmo modo deveria ser, com candidaturas ganhadoras maciças por derivarem de decursos participativos horizontais e com outras, que ficando com uma minoria de apoios, aceitassem democrática e solidariamente os resultados.

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