Uma política lusófona na Galiza

Na política lusófona buscariam-se conexões permanentes com as instituições, organizações políticas, entidades, empresas e meios de comunicação de Portugal e da Lusofonia para implementar projetos de colaboração. © https://www.conexaolusofona.org/

Examinando a geografia da Galiza, a sua situação no Noroeste da Península, com as suas rias penetrando profundamente no espaço terrestre, é fácil deducir que muita da sua vida social, cultural e económica no passado teve de girar ao redor do âmbito atlântico. E assim, por via marítima, foram nos tempos pretéritos a maioria e os mais fundamentais dos contactos e das relações comerciais externas, quando havia umas difíceis ou inexistentes comunicações por terra.

Desde a antiguidade, conta-se mesmo desde os tempos míticos breogânicos, houve navegações que uniram os portos galegos com os das Ilhas Britânicas. Também com os do que seria o Reino de Portugal e, através deles, com os mais distantes do Norte de Europa e do Mediterrâneo. Por essas rotas existiu naquelas épocas um amplo intercâmbio de produtos e de conhecimentos. Na Idade Média o tráfego de cabotagem, de mercadorias e de passageiros, era muito fluido entre a Galiza e a Inglaterra, também pelas inúmeras peregrinações das gentes do Norte de Europa a Compostela, que desembarcavam no porto da Crunha, pelas exportações de vinhos galegos e as importações de panos ingleses. Na mesma medida produzia-se um constante comércio com Portugal.

Essa situação próspera mudará no século XIV, quando o Reino da Galiza comece a sofrer os graves efeitos da força centrípeta do Reino de Castela, do que dependia. Muita da alta nobreza galega e dos habitantes dos burgos tentarão que aquele relacionamento comercial atlântico tradicional, que gerava riqueza e vida, não acabasse nem fosse substituído por uma nova e ameaçadora visão política e económica de teor centralista e mesetário, claramente prejudicial para os interesses galegos. Esse processo inicial agravará-se com a chegada ao poder dos Reis Católicos. Se a tudo isso lhe engadimos as posteriores guerras da coroa castelhana com Portugal e a Inglaterra, e que no século XVI este último se converterá em anglicano, poderemos entender a lenta decadência comercial e as dificuldades para o desenvolvimento nas que se some à Galiza.

A extensa área que vai na Península de Ferrol a Setúbal constitui uma das de maior concentração urbana e demográfica do velho continente

Também olhando a geografia, muito singular, de Portugal veremos que se trata de um país deitado por completo à beira do Atlântico. Pôde e soube aproveitar as suas condições naturais para fazer delas o meio da sua expansão pelo mundo e assim alcançar um lugar de relevo na história universal. Sucederá-lhe o mesmo à Inglaterra depois. Em quanto à Galiza, ficará num mínimo das suas potencialidades, empobrecida, nas margens políticas e económicas do planalto castelhano.

Se por último reparamos numa das fotos de satélite atuais com a luminosidade nocturna em Europa comprovaremos que a extensa área que vai na Península de Ferrol a Setúbal constitui uma das de maior concentração urbana e demográfica do velho continente. Não pode resultar estranha, portanto, que uma perspectiva atlântica, como tinham claro os nobres e o municipalismo galego da Baixa Idade Média, e Vicente Risco e os membros das Irmandades da Fala no século XX, com Portugal como elemento essencial, continue a ser a mais lógica e beneficiosa para o conjunto da Galiza.

Por outra banda, Portugal, um Estado nascido da herança cultural e histórica da Gallaécia romana e do Reino Suevo, como foi o caso da Galiza atual, mantém uma língua, que também é a nossa, e que espalhou pelo mundo, levando-a a ser uma das mais usadas a nível planetário. Muitos laços, além dos linguísticos, ainda nos aconchegam a Portugal, sobretudo à sua parte nortenha. Na nossa inteligência radica sabermos incrementá-los e aproveitar essas importantes potencialidades e oportunidades por meio de uma política lusófona na Galiza. O Galeguismo, na sua época mais brilhante, a das décadas dos vinte e dos trinta do século passado, soubo compreender e enxergar esse caminho.

Na política lusófona buscariam-se conexões permanentes com as instituições, organizações políticas, entidades, empresas e meios de comunicação de Portugal e da Lusofonia para implementar projetos de colaboração

Os quarenta últimos anos, despois da morte do ditador, foram infelizmente uma etapa preciosa perdida, com uma normativização do Galego que procurava ilhá-lo e afastá-lo da variante portuguesa e com umas práticas de normalização linguística com escassos resultados, prolongadas no tempo apesar disso. O labor desses académicos e filólogos com responsabilidades no isolacionismo do Galego pode ser qualificado desde a perspectiva temporal contemporânea como de muito disfuncional para a sociedade e a economia galegas.

Aliás agiu um nacionalismo galego pouco pragmático e falto de estratégias de futuro, que aparentava ser fundacional sem sê-lo, e que seria a quem lhe corresponderia ter um papel fulcral. Porém, renunciou a levar à frente um trabalho sério de relacionamento com as instituições, organizações e entidades de Portugal e dos outros países lusófonos ou galaicófonos. Não quis ou foi incapaz de sair de uma limitada cosmovisão política estatal, a pesar de colaborações externas com partidos catalães e bascos. Nesse período só cabe salientar a meritória exceção, pelo incessante trabalho em solitário e com escassos meios materiais que teve que desenvolver, da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), digna herdeira dos ideais lusófonos ou pangaleguistas, que diria Antón Vilar Ponte, do Galeguismo histórico.

Então a que lhe chamaríamos política lusófona para a Galiza? Àquela que, ainda que formemos parte do Estado espanhol, procure também para a Galiza a via menos explorada do Sul, a segunda que conforma a condição teórica de bisagra da Galiza, que diriam Viqueira e Castelao, entre Espanha e Portugal. Na política lusófona buscariam-se conexões permanentes com as instituições, organizações políticas, entidades, empresas e meios de comunicação de Portugal e da Lusofonia para implementar projetos de colaboração. Assim, por exemplo, os líderes dos partidos atuantes na Galiza ou os seus delegados, estando no governo ou na oposição, seria bom que visitassem de jeito regular os meios de comunicação lusófonos para darem a conhecer a Galiza, os seus problemas, as suas potencialidades e fazê-la presente na vida dos cidadãos do além-Minho.

Contamos na Europa do presente com uma induvidável vantagem competitiva e não nos podemos permitir absurdamente que fuja das nossas mãos

Não podemos perder mais oportunidades culturais, sociais, económicas, industriais, laborais e universitárias. E essa conexão pode-se fazer também estando a Galiza como membro observador na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) ou independente dela. No “Eixo Atlântico”, ainda que é só do Noroeste, que não estão todos os concelhos nem tem uma grande capacidade de gestão, ou desde fora. O fundamental é que se intensifiquem as relações e a concreção de propostas e projetos bilaterais.

Sem dúvida que a nossa língua, à vez nacional e internacional, pode ser um instrumento de desenvolvimento interno da Galiza. E a nossa posição no mundo, atlântica, no mundo galaicófono e com fortes vínculos com o hispanófono, nos evita ser periféricos. Contamos na Europa do presente com uma induvidável vantagem competitiva e não nos podemos permitir absurdamente que fuja das nossas mãos.

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