As personagens da imagem são significativas não apenas para as crianças como também para muitos adultos que deparamos com elas em camisetas, chávenas, bonecos, cartazes e diferentes outros suportes. Segundo uma reportagem publicada na revista O Salto elas são responsáveis, em maior ou menor medida, do idioma das crianças galegas. Uma frase da reportagem sublinhava: Feijóo, Pocoyó e os seus amigos aceleram o processo histórico de substituição linguística do galego.
Tendemos a pensar que os pais são fulcrais nesse processo, e são-no, mas quem não conhece pais galego-falantes, com vontade de transmitir o galego, mas sem sucesso?
Vamos começar então por Feijóo e os seus sequazes. Uma pergunta de destaque que nos devemos fazer as pessoas interessadas na saúde social do galego é: porque as nossas crianças falam a(s) língua(s) que falam? Tendemos a pensar que os pais são fulcrais nesse processo, e são-no, mas quem não conhece pais galego-falantes, com vontade de transmitir o galego, mas sem sucesso? A língua da professora também costuma ser dotada de valor mas quem não conhece.... ? Conhecemos, claro.
Quando falamos há uma interação humana. Até certa idade, as crianças "conversam" essencialmente com a mãe e o pai mas logo que entram no infantário, outras personagens entram na cena de uma forma quase hegemónica, os seus iguais, os colegas de turma, da escola ou do parque.
- Olá, que luvas tão bonitas!
- Como?
- Que luvas tão bonitas.
- Como?
- Que guantes tão bonitos.
A escolha do centro educativo é determinante. É preciso existirem iguais na sua turma com quem partilharem a língua. Quantos mais, melhor
Os iguais podem produzir relações desiguais. Este diálogo aconteceu com a minha miúda num parque, mas quem não conhece...?
É por isso que, caso a transmissão familiar da língua esteja em foco, a escolha do centro educativo é determinante. É preciso existirem iguais na sua turma com quem partilharem a língua. Quantos mais, melhor. Neste sentido, a estratégia basca das linhas linguísticas e da imersão linguística faria todo o sentido na Galiza, polo menos, naqueles espaços onde os alunos galego-falantes ficam isolados até mudarem de código. Como sabemos, a estratégia governamental é outra… dissolver. Aqui entram Feijóo e os seus sequazes.
O Pocoyó e os seus colegas são um fator importante na língua das nossas crianças. Se estas falam galego e todo esse arsenal de desenhos vivos fala castelhano qualquer cousa está a falhar
Vamos agora com Pocoyó. Apesar de recomendações de cientistas e instituições ao respeito, as crianças costumam estar diante de um ecrã entre 2 ou 3 horas diárias: televisão, tablet, computador, celular... Os desenhos animados erigem-se nas estrelas da visualização. Ora, nem todos os ecrãs permitem as mesmas escolhas. Enquanto na televisão há uma programação que programa, a Internet oferece mais possibilidades de escolher séries, valores... e línguas.
O Pocoyó e os seus colegas são um fator importante na língua das nossas crianças. Se estas falam galego e todo esse arsenal de desenhos vivos fala castelhano qualquer cousa está a falhar. Não há um reforço do hábito linguístico, polo contrário, há um questionamento. Ora, é claro que pode surgir um esquema do tipo, o galego vale para o que vale, que é pouco, e o castelhano para o resto, para o que tem mas valor. Há quem diga até que, quanto antes descubram isso, melhor, maior adaptabilidade social.
Se os sequazes de Feijóo merecem a nossa crítica, julgo que o amigo Pocoyó é livre dela. Ele fala galego, tal como Dora, Skype, Peppa Pig, Moana ou Corujita
Ora, será que tem de ser assim? Será que o valor tem de ser apenas em castelhano? Infelizmente a presença dos desenhos animados em galego da Galiza é escassa. A TVG não consegue concorrer, nem remotamente, com os canais em castelhano, vários deles focados as 24 horas em programação infantil. Segundo dados d’A Mesa apenas 4,6% de programação televisiva na Galiza é na nossa língua.
Ora, se os sequazes de Feijóo merecem a nossa crítica, julgo que o amigo Pocoyó é livre dela. Ele fala galego, tal como Dora, Skype, Peppa Pig, Moana ou Corujita. Ora, não o fazem na televisão galega, nem na espanhola. Os responsáveis por isso já sabemos quem são, não é? Se quisermos ouvir estas e outras personagens na nossa língua, com outros sabores, temos de recorrer à Internet.
Ora, é verdade, somos educados em que a língua da sociedade brasileira e portuguesa é estrangeira. Desta forma, aonde não chega o galego, temos de preencher com o castelhano. Não sei quem teria essa ideia? Algum inimigo do galego, suponho. Ou um sequaz do Feijóo.
Também é verdade que não todas as pessoas são obedientes e cada vez mais progenitores recorrem ao galego do sul e do outro lado do Atlântico para oferecer este lazer audiovisual às suas miúd@s. É um binormativismo popular que não precisa de elites a ecoá-lo, nasce da necessidade e da alegria. As mesmas famílias recorremos a um site maravilhoso como http://aliali.fabaloba.com/ com recursos criados na sua maior parte na Galiza como também pegamos nas dicas internacionais que sugere o site de Apego, http://apego.gal/outros-recursos/. E assim ganhamos tod@s.
A iniciativa de Apego incluindo canais brasileiros de desenhos animados deveria ser uma faísca de uma nova forma de fazer as cousas onde a ortografia e o sabor da língua seja secundário
Se o nosso foco, realmente, é que a língua da Galiza se transmita às novas gerações, já sabemos muitas cousas que não funcionam. Para mim a mais importante é estrangeirar outras variedades da nossa língua por terem o azar de se falarem fora da Espanha. A iniciativa de Apego incluindo canais brasileiros de desenhos animados deveria ser (se o nosso foco, realmente…), uma faísca de uma nova forma de fazer as cousas onde a ortografia e o sabor da língua seja secundário e a sua utilidade pessoal e social seja prioritário porque, na verdade, não temos muito tempo. A época do mononormativismo deve ficar atrás, polo bem de quase tod@s.
Ao infinito e além, diz Buzz Lightyear, de Toy Story. Sejamos mais modestos e comecemos pola finitude dos nossos lares e do nosso dia a dia.