O governo Bolsonaro denuncia Glenn Greenwald e declara a guerra à imprensa crítica

Glenn Greenwald CC-BY-SA Gage Skidmore

Glenn Greenwald é mundialmente conhecido pela sua etapa no jornal britânico The Guardian e pelo seu protagonismo no caso Wikileaks, a maior revelação de segredos de estado realizada até agora. Porém, no Brasil é célebre sobretudo por ter fundado The Intercept Brasil, o jornal digital que tem virado o inimigo público número 1 de Jair Bolsonaro e do seu governo, que agora apresentou denúncia contra ele.

Greenwald, que reside com seu marido no Rio de Janeiro, é um dos líderes de opinião mais influentes a nível global e uma das vozes que a imprensa internacional procura para obter informação veraz sobre a situação política brasileira. Este facto, unido ao seu posicionamento crítico a respeito do governo Bolsonaro, tem colocado com frequência o seu nome na berlinda: no último meio ano, para pôr apenas dois exemplos, chegou a ser publicamente ameaçado de prisão pelo próprio Presidente da República, Jair Bolsonaro, e a ser agredido por um jornalista bolsonarista durante uma entrevista concedida a uma emissora radiofónica também aliada do Bolsonaro; isso, por não falar nas incessantes campanhas homofóbicas orquestradas nas redes sociais contra ele e o seu cônjuge.

No último meio ano, Greenwald chegou a ser publicamente ameaçado de prisão pelo próprio Bolsonaro e a ser agredido por um jornalista bolsonarista

Tudo, por conta do seu trabalho jornalístico. E é que, desde junho de 2019, The Intercept Brasil vem revelando as obscenas intimidades da Operação Lava-Jato, a investigação judicial que serviu de suporte jurídico para o impeachment da Presidenta Dilma Roussef (PT) em 2016 e para a prisão do ex-Presidente Lula da Silva (PT) em 2018; e cuja repercussão mediática foi chave para encher as ruas das principais cidades brasileiras de milhões de pessoas a clamar contra a corrupção e contra o PT, além de pedir a destituição da Presidenta eleita.

Informação no The Intercept Brasil sobre a denúncia a Greenwald © The Intercept Brasil

O grande protagonista da Operação Lava-Jato foi Sérgio Moro, então juiz e hoje ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Após uma instrução cheia de vazamentos polémicos e cuidadosamente planejados, sempre tendo como alvo o Partido dos Trabalhadores (PT) e eludindo ou minimizando a acusação contra líderes de partidos da direita, a popularidade de Moro chegou ao auge com a prisão de Lula, ex-Presidente convertido em símbolo da divisão social brasileira: herói popular para uns, símbolo da corrupção para outros. 

Após ter prendido Lula, que desse modo foi impedido de concorrer às eleições presidenciais – nas quais era o claro favorito, segundo todas as pesquisas de opinião –, Moro aceitou ser o ministro do principal beneficiário dessa decisão, o militar aposentado e líder ultra-direitista Jair Bolsonaro. Foi o começo do fim da imagem de super herói imaculado que a imprensa conservadora lhe construíra, mas o certo é que Moro manteve um alto índice de aprovação apesar desse primeiro arranhão.

O pior para ele estava para chegar, e é aí que entram Greenwald e The Intercept Brasil. O jornal leva sete meses a divulgar uma série de artigos batizada como Vaza-Jato, na qual se expõem conversas privadas entre Moro e os promotores da Operação Lava-Jato e dos promotores entre si. Essas conversas mostram, sem sombra de dúvida, que Moro incumpriu grave e reiteradamente a imparcialidade que, como juiz, a Lei lhe impunha: não só beneficiou uma das partes, no caso a acusação contra Lula, senão que combinava com ela os movimentos a ser dados e até sugeria indícios de possíveis provas. 

Provas que, como se observa nas conversas entre os promotores, eram tão fracas que deviam ser fortalecidas mediante a ajuda da imprensa, criando um clima de convencimento geral da culpa do Lula, que por sua vez justificasse a sua condenação futura. Moro e os promotores da Lava-Jato, a começar pelo seu líder Deltan Dallagnol, começaram negando a veracidade das conversas; porém, quando se tornou evidente que essa linha de defesa só metia mais água na canoa, limitaram-se a dizer que se trata de conversas obtidas ilegalmente e a evitar pronunciar-se sobre o fundo do assunto. Algo que terão de fazer, caso o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, decida instaurar a CPI que foi solicitada em setembro do ano passado por 175 deputados. 

O ex-juiz Sérgio Moro, durante uma intervenção como ministro de Bolsonaro © Governo do Brasil

A Polícia Federal concluiu que “não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados"

O dano da Vaza-Jato a Sérgio Moro e aos seus aliados tem sido enorme, máxime após veículos de referência da imprensa brasileira nada suspeitos de esquerdismo (Folha de São Paulo, Veja) e internacional (El País, na Espanha) terem estabelecido parceria com o The Intercept Brasil para analisarem conjuntamente os dados e publicarem conjuntamente os resultados.

O contra-ataque está servido: um mês após o começo das reportagens do The Intercept, foi preso o hacker acusado de ter invadido os telefones de Moro e dos promotores, e hoje encontram-se em prisão preventiva cinco pessoas acusadas de participar nos feitos. A operação policial contra os hackers foi apelidade Spoofing e nela apareceu, como era inevitável, o nome de Glenn Greenwald: a Polícia Federal, depois de analisar o material enviado pela promotoria, concluiu que “não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados" e destaca a sua "postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões". 

O juiz instrutor decidiu não investigar Greenwald nem incluí-lo como indiciado, ao carecer de qualquer sustento para uma eventual acusação. Porém, de maneira surpreendente, nesta terça-feira a promotoria – dependente do ministro Sérgio Moro – apresentou denúncia contra ele. A base da acusação é um alegado delito contra a Lei de Segurança Nacional por espionagem.

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